Quando uma cidade tira do papel políticas de mobilidade urbana, a estrutura física dos modais de deslocamento muda, mas é no comportamento sustentável do usuário, incentivado por essas ações, e na segurança nas vias, onde estão os maiores ganhos. Em Fortaleza, sobretudo nos últimos oito anos, a rede cicloviária passou por expansão, o transporte coletivo registrou aumento na velocidade operacional e a infraestrutura viária ficou mais robusta, conforme dados da Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP). Avanços que precisam de estratégias continuadas, avaliam especialistas.
Se em 2013, a Capital possuía apenas 3,3 km de faixas exclusivas para o tráfego de ônibus, atualmente, há 117 km de contra-fluxos prioritários, número 35 vezes maior que o anterior. Essa alternativa fez reduzir o tempo de viagem dos coletivos, a exemplo dos veículos que circulam na Avenida Santos Dumont, onde a velocidade média era em torno de 4 km a 5 km/h, e agora, avançou para 14 km a 15 km/h. Ainda nesse modal, a implantação dos primeiros BRTs na cidade, localizados nas avenidas Bezerra de Menezes e Aguanambi, provocou uma queda de 48% no tempo de deslocamento dos coletivos que passam por esses dois corredores.
No que se refere à infraestrutura de circulação viária, em oito anos, Fortaleza ganhou seis túneis e seis viadutos juntos ao 34 binários implantados em cerca de 40 bairros. Segundo o coordenador da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária, Dante Rosado, essas obras contribuíram para destravar antigos nós no trânsito da cidade. “Ajudaram a desfazer gargalos históricos da cidade, como no cruzamento das avenidas Antônio Sales com Engenheiro Santana Júnior e Engenheiro Santana Júnior/Padre Antônio Tomás, além das obras no entorno da própria Via Expressa”, aponta.

Em vias com alta incidência de acidentes, como as avenidas Osório de Paiva e Duque de Caxias, a velocidade máxima permitida caiu de 60 km/h para 50 km/h com o intuito de evitar ocorrências mais graves. Na avenida Leste-Oeste, por exemplo, a SCSP estima um recuo de 83% nos atropelamentos após essa readequação, de 2018 até agora. Apesar de os motoristas terem pisado com menos intensidade no acelerador, o balanço da Pasta confirma que o movimento de veículos fluiu, tanto é que, entre 2014 e 2019, o índice de congestionamento caiu 23%, com base em dados georreferenciados pela empresa Tom Tom.
Bicicleta
No transporte cicloviário, os indicadores também evidenciam os avanços na mobilidade de usuários de bicicletas. A partir das diretrizes do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PCDI), Fortaleza expandiu a quantidade de ciclovias e ciclofaixas, passando de 68,6 km, em 2013, para 347,2 km neste ano, um crescimento de 406%. E, 7 em cada 10 ciclovias/ciclofaixas estão na periferia da cidade.
Além da infraestrutura, as políticas voltadas para ciclistas também oferecem o equipamento de duas rodas. A Capital dispõe de quatro sistemas de bicicletas compartilhadas, com destaque para o Bicicletar, criado há seis, que tem 188 estações e contabiliza 3,5 milhões de viagens. O programa conta ainda com o Mini-Bicicletar para crianças, o Bicicleta Integrada nos terminais de ônibus para rotas casa-trabalho e o Bicicletar Corporativo nas secretarias da Prefeitura de Fortaleza.
Dos atuais 5 milhões de deslocamentos feitos diariamente na cidade, que envolvem transporte individual ou coletivo, 250 mil são por bicicletas. O número corresponde a 5% do total, enquanto no ano de 2015 esse indicador estava em 3%. Em dias úteis, a avenida Bezerra de Menezes chega a registrar 3.800 ciclistas e a Ciclofaixa de Lazer, que liga os bairros Cocó, São Gerardo e Montese à Praia de Iracema, reúne outros 4 mil ciclistas aos domingos.

“Fortaleza é exemplo nacional de expansão da infraestrutura cicloviária, da afirmação da bicicleta enquanto meio de transporte”, atesta Kelly Fernandes, especialista em mobilidade do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Através do indicador PNT (People Near Transit, na sigla em inglês), o órgão mede o percentual da população que tem acesso a ciclovias e ciclofaixas até 300 metros do local de moradia. O levantamento aponta que 49% residem a essa distância dos equipamentos.
Dessa forma, destaca Kelly Fernandes, a Capital estimula o interesse dos usuários pela mobilidade sustentável que reduz a possibilidade de problemas ambientais. “Promover essa mobilidade é fazer com que as pessoas consigam chegar onde precisam com o uso de meios de transporte não poluentes, que é andar a pé ou de bicicleta, e do transporte coletivo que usa menos combustível para circular e ocupa menos espaço enquanto circula”, pontua.
Experiência
Quando optou por trocar o ônibus pela bicicleta, há dois anos, a auxiliar de produção Luiza Alves, 47, pensou na comodidade e na economia. Ela justifica que utilizando o próprio transporte para chegar ao trabalho, a cerca de três quilômetros da sua casa, na Barra do Ceará, não ficaria refém dos horários dos coletivos e ainda pouparia dinheiro por não pagar passagem. Com o passar do tempo, percebeu impactos positivos na saúde.
“No começo, realmente, eu pensei só na facilidade de ir trabalhar na minha bicicleta sem me preocupar com ônibus, e economizar dinheiro. Mas, agora, eu vejo também que até a minha disposição para fazer outras atividades depois do expediente, melhorou. Eu considero que isso é um ganho muito positivo, porque saúde é fundamental para tudo nessa vida”, conta.
A execução das políticas públicas de mobilidade tem repercussão direta nas ocorrências de trânsito. Isso porque, pela primeira vez, a Capital conseguiu atingir a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) ao reduzir em 50,3% o número de óbitos no trânsito em um intervalo de 10 anos. No ano passado, a cidade contabilizou 7,4 mortes por 100 mil habitantes, e em 2010 o índice era de 14,9 mortes. De acordo com a Secretaria da Conservação e Serviços Públicos, “há uma estimativa de que 578 vidas foram salvas”.
Para chegar a esses resultados, porém, as ações precisaram integrar gestão e sociedade, conforme detalha o engenheiro de transportes da Prefeitura de Fortaleza, Victor Macêdo. “Tem que ter um alinhamento muito forte. Não é fácil quebrar um paradigma de um modelo de cidade voltada para automóveis que vinha sendo construído há décadas. Você mudar esse pensamento é um desafio grande e só consegue com engajamento político, corpo técnico, adesão dos usuários e suporte da imprensa”, reflete.
Ainda em etapa de produção, o Plano de Acessibilidade Sustentável de Fortaleza (Pasfor) irá nortear as novas estratégias de mobilidade para os próximos 10 anos, uma vez que a cidade precisa de ações continuadas, segundo o engenheiro. “Essas ações vão estar sempre em pauta. Não é uma discussão fácil, mas a SCSP, a AMC e a Etufor têm tratado isso com um olhar muito forte”, assegura Macêdo.

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