
Mudanças dependem da aprovação do conselho. Risco ao acionista e à companhia devem ser considerados, dizem especialistas.
Ainda que sacramentada pelo Conselho de Administração da Petrobras, a mudança no comando da estatal não significa que será fácil para o novo presidente da companhia empreender uma alteração imediata na política de preços de combustíveis, afirmam especialistas em governança.
Para que isso aconteça, é preciso ter a aprovação justamente do conselho e em conformidade com o estatuto da companhia e a Lei das Estatais, uma legislação recente que ampliou os deveres e responsabilidades dos dirigentes de empresas públicas.
Esse mesmo conselho é responsável por escolher manter ou destituir o atual presidente da Petrobras -
como quer o presidente Jair Bolsonaro -, substituindo-o pelo indicado pelo governo. Pesa na conta o risco de gerar prejuízos à companhia e acionistas, além de afugentar investidores.
Isso pode levar a ações na Justiça, que busquem responsabilizar não só a companhia mas, também os conselheiros pessoalmente. Mas, apesar dessas travas, analistas lembram que, no limite, a União pode destituir os conselheiros indicados por ela e que são maioria no colegiado.
— Indicar um novo administrador é direito do controlador. Mas, pela forma como o anúncio foi feito, investidores perderam a crença na independência da Petrobras de praticar preços em linha com o mercado internacional. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários, responsável por fiscalizar empresas de capital aberto) já sinalizou que vai investigar. Dependendo do que for avaliado, o governo poderá ser alvo de ações coletivas movidas por investidores no Brasil e no exterior — avalia Tiago Macêdo, sócio do Tauil & Chequer, frisando que ainda é cedo para mensurar se houve abuso do controlador.
Mudanças após Lava-Jato O general do Exército Joaquim Silva e Luna, no gabinete no Ministério da Defesa, pasta que ocupou durante governo Michel Temer Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Na última sexta-feira, o Ministério de Minas e Energia indicou o nome do general da reserva
Joaquim Silva e Luna, hoje à frente de Itaipu Binacional, para a presidência da Petrobras, após o presidente Jair Bolsonaro ter criticado duramente o aumento dos preços dos combustíveis e ter dito em transmissão em rede social que iria
fazer mudanças na estatal.
No mesmo dia, as ações da empresa tombaram, levantando questionamentos de grandes investidores privados internacionais como o fundo Aberdeen. Nesta segunda-feira, os papeis
despencaram mais de 20%.
'O controlador tem direitos, mas também tem deveres, pela Lei das Estatais. Caso seja confirmado abuso de poder em relação à forma como foi feita a indicação do Silva e Luna, ele pode ter de responder perante a companhia, os investidores e a sociedade', diz o advogado Tiago Macêdo.
Após a Operação Lava-Jato, a Lei das Estatais e o próprio Estatuto Social da Petrobras passaram por mudanças para impedir que companhias públicas sejam alvo de ingerência do governo federal em suas políticas e gestão.
É também uma forma de melhorar a reputação das companhias no mercado e, com uma governança ajustada e transparente, atrair investidores.
No fim de 2018, na gestão de Pedro Parente, a Petrobras aprovou mudanças em seu Estatuto. A de maior destaque é a prevê que a petroleira pode ter atividades orientadas pela União com o objetivo de contribuir para o interesse público em linha com a política do governo na área de energia.
Mas isso só pode ocorrer se a União assumir os custos gerados em razão da operação tocada em condições distintas às de mercado.Edifício-sede da Petrobras, no Centro do Rio Foto: RICARDO MORAES / REUTERS
No governo de Michel Temer, após a greve dos caminhoneiros, foi esse o caminho escolhido, com a União direcionando recursos para subsidiar o diesel ao setor de transporte rodoviário.
Até aqui, as perdas registradas pela volatilidade dos papéis da Petrobras em Bolsa resultam em prejuízo aos acionistas. O que pode ser questionado em ações coletivas no Brasil e as
class actions lá fora.
Já perdas à companhia, pela legislação, têm de ser identificadas e comprovadas antes de qualquer cobrança de ressarcimento ao governo.
Bolsonaro avançou muitos sinais
Para os especialistas, o problema maior é que Bolsonaro não apenas anunciou a troca no comando da Petrobras, mas afirmou que o novo presidente da estatal mudaria a política de preços da estatal, para conter a alta de preço principalmente do diesel, atendendo demanda do setor de transportes.
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A política de preços em paridade com o mercado internacional, que também data da gestão de Parente, é apontada como a medida que ajudou a recuperar a credibilidade da companhia no mercado no país e no exterior.
Ela vem descrita na Carta Anual de Políticas Públicas e de Governança Corporativa, que o Conselho de Administração ratificou no ano passado.
Um executivo do mercado de capitais avalia que o problema do preço dos combustíveis não reside na paridade com o mercado internacional, mas no efeito do câmbio em razão da macroeconomia do país.
'Blindagem não há. Com leis melhores e governança aprimorada, mudanças não vêm da noite para o dia. Mas, num movimento extremo, o Conselho pode, em uma mesma sessão, nomear o novo presidente e anunciar uma Carta Anual com mudanças na política de preços dos combustíveis', diz Gustavo Flausino Coelho, professor de Direito Empresarial do Ibmec-Rio.
O resultado, frisa, vem em crise de confiança, reforçada pela não observância de regras de mercado, dificultando trazer investidores ao Brasil.
Nem a Lei das Estatais nem o Estatuto da Petrobras, porém, podem blindar a companhia contra alterações na política de preços, ressalta Gustavo Flausino Coelho, professor de Direito Empresarial do Ibmec-Rio.
Mudanças podem ser discutidas e aprovadas pelo Conselho da estatal:
— Blindagem não há. Dá uma conotação hermética, que não existe. Nitidamente, a mudança no comando da Petrobras está sendo feita por uma questão de momento, dos caminhoneiros. Com leis melhores e governança aprimorada, mudanças não vêm da noite para o dia. Mas, num movimento extremo, o Conselho pode, em uma mesma sessão, nomear o novo presidente e anunciar uma Carta Anual com mudanças na política de preços dos combustíveis — alerta ele.
Dificilmente, dizem os advogados, o conselho vai votar contra a indicação do governo para a presidência da Petrobras. Já em relação à política de preços, a mudança pode não ser tão suave:
— O Conselho é soberano nas decisões. Mas, caso não seja colaborativo com a União, ele pode ser destituído. Não é o que se apresenta — diz Coelho.
Neste sentido, a Lei das Estatais é uma trava mais forte, já que foi aprovada pelo Congresso e, para ser alterada, precisaria do aval dos parlamentares.
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