Bretton Woods, 1944. Fortaleza,
2014. Setenta anos depois de terem sido traçadas as regras da governança
financeira do mundo, um fato capaz de inserir outra cidade no mapa das grandes
mudanças econômicas globais aconteceu.
Na capital do Ceará, nesta terça-feira
15, os cinco países que integram a sigla BRICS inauguraram, na prática, uma
nova ordem para o mundo. Eles colocaram em prática a constituição de um bloco
econômico repleto de afinidades políticas. A partir de agora, já se sabe que
Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul terão o seu Novo Banco de
Desenvolvimento, com capital inicial de US$ 50 bilhões, mas que poderá ser
elevado a US$ 100 bilhões, para fazer frente ao Banco Mundial. E também
formarão uma poupança de US$ 100 bilhões no Acordo de Reservas de Contingência,
exatamente para não dependerem exclusivamente do Fundo Monetário Internacional
para serem socorridos em crises. O jornal inglês Financial Times publicou
análise da redação que dá a correta dimensão do conjunto desses fatos: "Notável
demonstração de como a ordem econômica está mudando".
Na mídia tradicional
brasileira, no entanto, o assunto foi publicado, como se diz no jargão do
jornalismo, com "má vontade". A reunião de Fortaleza que impressionou
o FT e chama a atenção de todos os líderes mundiais não mereceu, na terça-feira
15, ocupar o espaço da manchete de nenhum dos jornais Folha de S. Paulo, Estado
e Globo. Na tevê, a colunista Eliane Cantanhêde, na Globo News, registrou o
acontecimento dentro do contexto da sucessão presidencial:
- A Copa acabou, mas a presidente
Dilma Rousseff engatou uma segunda e já está de novo nas fotografias, registrou
a comentarista. Ao final do comentário, lembrou que nesta quarta-feira, em
Brasília, cerca de 20 presidentes do continente americano serão recebidos para
ter informações sobre como irá funcionar o banco de desenvolvimento e o fundo
de reservas. E pontuou:
- Será mais um momento de
badalação e fotografias para a presidente que é candidato à reeleição.
Ideia estudada pela nata dos
economistas dos governos dos BRICS há pelo menos dois anos, o Novo Banco de
Desenvolvimento poderá emprestar dinheiro para projetos de infraestrutura em
países em desenvolvimento a juros menores que os praticados pelo Banco Mundial.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou que os recursos dos BRICS
poderão ser aplicados em fundos especiais para renderem enquanto aguardam as
demandas dos países.
Houve apostas nos jornais
brasileiros de que uma briga de última hora entre as delegações da China e da
Índia poderia matar a ideia de criação do banco de fomento. Não foi o que
ocorreu. Os sócios acordaram rapidamente em que a sede será em Xangai, na
China; o primeiro presidente será da Índia, inaugurando o rodízio de cinco anos
no cargo; a presidência do conselho de administração será do Brasil; a Rússia
ficará com a presidência do conselho de governadores; e a primeira sede
regional da instituição ficará na África do Sul.
- A democracia é uma das marcas do BRICS,
disse Mantega.
Com um mercado
consumidor de 3 bilhões de pessoas e um PIB conjunto que equivale a 20% da
riqueza mundial, o BRICS poderá adotar, no futuro, as moedas nacionais para
transações comerciais entre seus cinco sócios. Na véspera da cúpula, 700
empresários assinaram carta em que pedem aos líderes políticos a adoção dessa
medida, que substituiria o dólar e o euro em compras e vendas.
O presidente do BNDES, Luciano
Coutinho, estimou no encontro de Fortaleza que a demanda de recursos para
projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento chega, hoje, a US$ 800
bilhões. Há, assim, demanda suficiente para o banco do BRICS ter um grande
papel na nova ordem mundial que o grupo está criando a olhos vistos – ainda que
a mídia brasileira tenha má vontade em enxergar.
Abaixo, notícia da Agência Brasil a respeito:
Países do Brics defendem mudanças
no Fundo Monetário Internacional
Daniel Lima e Sabrina Craide - Enviados Especiais
Os representantes dos países do
Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) defenderam a implementação
de reformas do Fundo Monetário Internacional (FMI), para modernizar a estrutura
de governança do órgão e refletir melhor o peso das economias emergentes. Na Declaração
de Fortaleza, documento resultante da 6ª Cúpula do Brics, realizada hoje
(15) em Fortaleza, os cinco países cobraram a revisão geral das cotas do FMI,
sem atrasos.
Após a reunião, a presidenta Dilma Rousseff também
defendeu a reforma das cotas, com o cumprimento dos acordos firmados pelo G20,
que previam a reforma do FMI e do Banco Mundial. Segundo ela, as modificações
nas cotas poderiam garantir que essas entidades refletissem o real poder das
economias emergentes.
A presidenta destacou que a criação do Novo Banco
de Desenvolvimento, que irá financiar projetos dos países do Brics, não é uma
resposta à falta de reforma do FMI. “É uma resposta às nossas necessidades.
Acredito que, mesmo com a criação do banco do Brics, fica ainda colocada na
pauta a mudança das cotas, que é importante para dar sustentação e legitimidade
a uma instituição multilateral, que é o Fundo Monetário”, disse.
Outro tema abordado pelos líderes
do Brics na declaração final do evento é a necessidade de reforma no Conselho
de Segurança da ONU, para torná-lo mais representativo, eficaz e eficiente.
“China e Rússia reiteram a importância que atribuem ao status e
papel de Brasil, Índia e África do Sul em assuntos internacionais e apoiam sua
aspiração de desempenhar um papel maior nas Nações Unidas”, diz o documento.
Sobre esse assunto, a presidenta Dilma ressaltou
que a resolução de conflitos regionais evidenciam a necessidade de o Conselho
de Segurança ser um órgão de maior representatividade. “Nós afirmamos a paz, a
necessidade de priorizar o diálogo como forma de garantir a resolução de
conflitos e consideramos que o melhor padrão é primeiros seguir as regras das
Nações Unidas, respeitar o direito internacional e agir dentro desse marco.”
Fonte: Brasil 247.