Iniciativa é vista com receio por teóricos que preveem um ‘apocalipse robótico’
RIO - Teóricos do “apocalipse robótico” acreditam que, no futuro, máquinas construirão outras máquinas cada vez melhores, até o ponto em que a tecnologia será tamanha a ponto de dominar, ou destruir, a humanidade. Seguidores desta vertente de pensamento podem ficar ainda mais preocupados, pois o primeiro passo nesse caminho acaba de ser dado por pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Eles desenvolveram um robô que é capaz de, por tentativa e erro, melhorar o design de outros robôs, algo como uma “evolução robótica”.
— A nossa inspiração foi a biologia — conta Luzius Brodbeck, líder do experimento.
No artigo sobre a experiência publicado na revista científica “Plos One”, os autores descrevem um “robô-mãe”, que constrói e testa de forma autônoma os seus próprios “filhotes”, numa “evolução artificial de sistemas físicos”. Trata-se de um braço mecânico que monta pequenos robôs usando até cinco pequenos cubos motorizados, como peças de Lego. A primeira geração é formada aleatoriamente, e o sistema testa a velocidade de cada robozinho avaliando o tempo gasto para percorrer um determinado percurso. Os melhores designs são aproveitados para a geração seguinte, e assim sucessivamente.
Ao todo, os pesquisadores fizeram cinco experimentos, com dez gerações de dez robozinhos cada, e os resultados foram surpreendentes. Segundo Brodbeck, os três melhores “filhotes” da décima geração são ao menos 40% mais velozes que os três melhores da primeira geração. Isso quer dizer que, sem intervenção humana, o “robô-mãe” foi capaz de passar características desejáveis de geração em geração, e descartar as indesejáveis.
ROBÔS ATUAIS SÃO REPETITIVOS
Foram construídas apenas dez gerações por causa das limitações de tempo, mas o processo poderia ser repetido indefinidamente, até que fosse alcançado o design perfeito. O aprimoramento dessa tecnologia pode, por exemplo, fazer com que robôs detectem de forma autônoma defeitos em uma linha de produção de automóveis, e promovam ou indiquem melhorias para aumentar a eficiência.
— Em sua maioria, os robôs que temos hoje são bons em tarefas repetitivas. São eficientes, precisos, mas só realizam uma função — explica Brodbeck. — Esse estudo mostra que os robôs podem desenvolver um novo plano de construção sozinhos, e são adaptáveis para realizar tarefas diferentes. No longo prazo, isso pode nos ajudar a construir robôs mais criativos.
O processo é bastante parecido com o descrito por Charles Darwin em seu livro “A Origem das Espécies”. Cada “filhote” possui um “genoma” único, que é a conformação dos pequenos cubos. Assim como na natureza, a evolução se dá por mutação, quando componentes de um gene são modificados, ou pela recombinação dos genes.
SELEÇÃO ARTIFICIAL
O biólogo Carlos Jared, pesquisador do Instituto Butantan, explica que a evolução natural se dá pela seleção dos mais adaptados, ao longo de centenas ou milhares de gerações. O estudo com os robôs se aproxima mais da seleção artificial, quando uma determinada característica de uma espécie é mantida pela intromissão do homem.
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Há milhares de anos a humanidade seleciona algumas espécies, como cães, gatos e bovinos, pelo cruzamento entre animais que possuam as características ideais para determinado fim. Numa escala menor, é isso que o robô criado por Brodbeck faz, mas sem a reprodução.
— É a seleção direcionada para um fim específico, determinado pelo ser humano — diz Jared. — O shitsu, por exemplo, é um cão carinhoso, que não faz barulho, extremamente selecionado para fazer companhia a pessoas idosas. O beagle é baixo, tem o faro apurado, bom para caçadores. São características que foram selecionadas pelo homem.
Márcio Pie, pesquisador da Universidade Federal do Paraná, explica que o experimento é um exemplo de aplicação do algoritmo genético, um método inspirado na seleção natural, mas bastante utilizado pela ciência da computação para fazer simulações e cálculos complicados com muitas variáveis. Na sua avaliação, a principal inovação do robô é transferir esse método para o mundo real.
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— É fantástico ver um robô capaz de se reproduzir, se autogovernar — analisa Pie. — É um nível de criação tecnológica que não estamos acostumados a ver.
Na sua opinião, o experimento se diferencia da seleção artificial porque não existe um domínio do homem sobre o processo da evolução, mas também não se trata de um exemplo de seleção natural.
— A ideia geral é muito interessante, de uma máquina construir outra de maneira não supervisionada, sem o controlador determinar cada passo — diz o pesquisador. — É quase como o acaso controlado. O acaso é a parte criativa, e propõe mudanças, quase como a mutação. É impossível saber o que a mutação vai provocar na evolução biológica, mas ela propõe mudanças e seleciona as melhores.
E o aprimoramento de robôs desse tipo pode levar a humanidade a uma aceleração no desenvolvimento tecnológico.
— Imagine máquinas que possam se autoaprimorar — diz Pie.
MEDO DE ARMAS AUTÔNOMAS
E esse é justamente o temor dos teóricos do “apocalipse robótico”. Alguns cientistas e engenheiros célebres, como o físico Stephen Hawking, o criador da Space X Elon Musk e o cofundador da Apple Steve Wozniak, divulgaram este ano uma carta alertando para o perigo de a inteligência artificial redundar, por exemplo, em armas autônomas, o que poderia gerar uma nova corrida armamentista global.
Mas, para Brodbeck, que pode entrar para a História como o criador do primeiro robô capaz de se “reproduzir”, não há o que temer.
— Eu não compartilho desse temor — diz Brodbeck. — E eu sei como é difícil construir sistemas robóticos. Não é possível imaginá-los assumindo o controle do mundo, ao menos no curto prazo.POR SÉRGIO MATSUURA
14/09/2015 6:00
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